quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

SLEEPING SICKNESS

É nesta época que revemos o que somos. Agarrados ao que gostaríamos de receber e sem pensar no que deveríamos dar.
Gostava de me ficar pelo simbólico, pelo simples abraço ou beijo na testa.

Ansiamos mais que isso, procuramos mais que aquilo, queremos o dever de ter mais do que isto.
Que o dia junte todos aqueles que materializam os pedaços partidos do nosso mundo, que mais uma vez unidos, o façam girar com naturalidade.
E que seja pretexto para se passarem as infinitas horas à lareira, se coma o bacalhau com aquelas batatas e aquele azeite que tão bem sabem nesse dia, que se troquem os presentes e que se contem as histórias e se espere pelo ano que vêm.

E daqui a pouco mais de uma semana conto vinte e três, e ainda me lembro de quando faltavam sete dias para fazer doze, fui aos correios fazer o cartão jovem e por faltarem esses míseros dias não me deixarem antecipar a época de filmes maior de doze anos que podia desbloquear na biblioteca, e ter um cartão onde se lia que era jovem e tinha uma fotografia e direitos como todos os outros. Descontos e afins.
Por esses sete dias, negaram-me o cartão que significava tanto e tão pouco.
A verdade é que nunca mais lá fui, não sei se por vergonha, se por desilusão, se por preguiça.
Ainda posso fazê-lo?


City and Colour - Sleeping Sickness

I awoke only to find my lungs empty,
And through the night, so it seems I'm not breathing.
And now my dreams are nothing like they were meant to be,
And I'm breaking down, I think I'm breaking down.

And I'm afraid to sleep because of what haunts me,
Such as living with the uncertainty
That I'll never find the words to say which would completely explain
Just how I'm breaking down

Someone come and, someone come and save my life
Maybe I'll sleep when I am dead,
But now it's like the night is taking sides
With all the worries that occupy the back of my mind
Could it be this misery will suffice?

I've become a simple souvenir of someone's kill
And like the sea, I'm constantly changing from calm to ill
Madness fills my heart and soul, as if the great divide could swallow me whole
Oh, how I'm breaking down

Someone come and, someone come and save my life
Maybe I'll sleep when I am dead,
But now it's like the night is taking up sides
With all the worries that occupy the back of my mind
Could it be this misery will suffice.

Someone come and, someone come and save my life
Someone come and, someone come and save my life
Someone come and, someone come and save my life
Could it be this misery will suffice.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ENDLESS ROADS!

A capacidade de alguém escrever algo que depois irá servir de barreira, de bóia, de corda, de aconchego, de poema, de lição de vida, de oração, de lenço de papel, de avião de papel ou de papel para limpar o cú. Qualquer uma destas opções se traduz num dom. Num rasgo de genialidade, premeditado ou ocasional, recalcado ou operacional, um gesto curto ou uma peça teatral.

Porque nos sentimos bem quando alguém materializa a nossa alma, a nossa dor ou alegria, nos afagam o sangue da ferida ou nos limpam as lágrimas do peito. Sabe bem, ainda que distante, ainda que sem sequer a conhecer, aquelas palavras transmitam um sentimento interpretado por cada um mediante a situação de cada qual. Eu a isso junto a emoção do instrumental da garganta rasgada, do riff que agita o coração, da tarola que marca o pulso, do prato que explode a revolta.
Difícil passar para a palavra a força que a palavra move, o que ela tira do sitio.

Como a madeira que parte a pedra quando a água a penetra.

é assim que me sinto.


MILES AWAY - GHOSTWRITER

What did you expect, it’s always been this way
Looking for the chance to finally feel complete
Years fly by, you only live the past
Disowned, by myself, don’t ask why
I’m losing battles that I’ve already won
I’m fighting demons that are already dead

Because you left
Left that space inside my head
Empty space without a trace
Feelings all but lost inside
Emotion hard to fight, emotion now is hard to find
The full void, an empty well
Cobwebs in a jaded hell

These are the things that I don’t want you to hear
The hidden traits that I fucking fear
There’s certain things I keep inside
The dark side of my mind
There’s certain things I cannot find
The dark side of my mind
These are the things that I don’t want you to see

Say goodbye to all of those thoughts
Say goodbye to everything
Say goodbye to a mind locked in the past and all I’ve kept inside
Breaking and taking this home I’ve been making
Waking and faking these breaths I’ve been taking

Life takes a hold, time takes its toll
Life takes a hold, takes control

domingo, 5 de dezembro de 2010

CONVICÇÕES!




Convicção é levar porrada pela palavra,
é não conseguir parar de bater a perna, de respirar com frequência, de berrar baixinho, de dizer que sim para dizer que não, para voltar a dizer que é possivel e que se vai em frente. Não interessa como. É fazer as contas e sobrar um euro, é olhar para a frente e ver as beatas no chão e o esfregão a sorrir. É olhar para o lado e ver mais três ou quatro até ao fim, a puxar o peso contigo, a lutar por algo que mais ninguém vê.
Convicção, é cuspirem-te na cara e não arredares pé, gozarem com aquilo que ergues mas não mexeres um centimetro, é empurrarem-te e tu nem te mexeres, rirem e tu ne ouvires.
Convicção, é toda a convulsão interior, na perda ou na vitória, na paz ou na tempestade, na sombra ou ao sol, de dia ou de noite, com chuva ou com frio, suado ou seco, a dormir ou acordado. É tudo aquilo que faz sentido e que te faz mexer e que te faz chorar e te faz sentir e te preenche e te deixa aquele vazio notivago longe, que te deixa de barriga cheia mesmo comendo depois de toda a gente aquilo que toda a gente junta não comeu. É a única cerveja fresca que ficou no final de uma noite em que a frescura já não perdura. São todos os décibeis e todas a bandas e todos os nãos e todas as setlists e todos coros e todos os berros e todas as canções de odio de amor de paz e de guerra e todas as t-shirts rasgadas e espelhos partidos e garagens ocupadas e salas largadas e mesas partidas cadeiras no ar vidas sentidas e horas sem par. Todo o pó que se vai comendo só com um sentido único e sem inversão de marcha, seja ela na descida ou na subida, em primeira ou em segunda, ou numa quinta a morrer. São todos os sentimentos que te fazem ficar, desejar não estar, pensar não viver de novo, ou querer repetir.
São as merdas que se entalam na garganta, quais espinhas agudas, encravadas na carne que te faze sangrar.
São as horas perdidas, as chamadas largadas, os olhos negros e noites sem descansar.
São os berros sentidos, as palavras na cara, os poemas descritos em horas de orar.
Todos as caneladas nas pernas, nodoas negras nos braços, cabelos puxados, costas dormentes, discos desfeitos, cabeças rachadas, e todas as letras sentidas que te fazem amar.
Convicção, é no fundo, dormir sem dormir, andar sem andar, correr sem parar, tremer sem falar, e fazer sem poder tremer. É tudo aquilo que todos negam, que poucos suportam e raramente seguram, mantendo junto do peito, no negro ou no brilhante no belo ou no feio, como heroi ou camelo.
Desde 2004, o Fernando nunca disse que não.
Eu também, que me lembre, nunca suportei essa palavra.

PENNYWISE - CHANGE MY MIND

every time i talk - you just say i'm wrong
i can't take it anymore a thousand lies a billion strong
you have to be right - you argue all the time
make your point and then shut up you're never gonna change my mind
no - ain't gonna change my mind - you bug me everyday
just let me see it my way - ain't gonna change my mind
i want you to stop you're closing in on me
just get off my fucking back - aren't you ever gonna see
wasting all your time - with all the things you say
get this through your head - everything can't be your way
you try to deny all the things that you can't hide




forte abraço e obrigado aos que nestes sete anos, estiveram na fila da frente, carregaram colunas, levaram mesas, comeram bifanas, passaram esfregão, tiraram finos, saltaram do palco, saltaram no palco, lamberam o chão, partiram dentes, abraçaram o estranho, largaram o preconceito, deixaram o filme de sabado em casa, ultrapassaram a apatia.
E obrigado á minha avó pelo maravilhoso assado no forno que foi sendo feito no seu forno a lenha lá da rua da Atafona. Pilar de betão forte que nunca tremeu nem deixou tremer.
E ao amigo Leão que desde miudo nunca falhou.






sexta-feira, 5 de novembro de 2010

VACANT SKIES!



Crumbling around the freefall.
This missing air will forever make
your nerves crawl.
Crumbling.
We will assume the worst.

Incapsulation, fists clenched and falling.
Mistakes make it easy.

Harmonic turbulence shakes.
Ties red booths to magazines.
Stand and clear.
Harmonic.
We will assume the worst.

Incapsulation, fists clenched and falling.
Mistakes make it easy.
Incapsulation, eyes dry and vacant.
Mistakes make it easy.

Say no more!
Say no more!
Say no more!

Incapsulation, fists clenched and falling.
Mistakes make it easy.
Incapsulation, eyes dry and vacant.
Mistakes make it easy.

We recall, it's all meaningless.
Green-brown eyes blur, give in easier,
and make you blind.
We recall, we recall simplicity.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

OD(ds)




Foi provavelmente isso.

Terá sido algo do género. Algo parecido, o que me foi acontecendo, anestesiado, ora apavorado ora em extase, numa ascenção que também, tal qual a subida, a pouco e pouco foi voltando a pousar, ainda que dormente, ainda que sem todos os sentidos aptos, mas que curiosamente, manteve a orientação no lugar quando tudo estava fora do sítio.

Mas ainda demorou, ainda está a demorar, talvez ainda irá durar mais uns dias, meses, anos numa perspectiva negra e cruel.


Mas as pancadas já não deixam só uma marca avermelhada, seguida de uma mancha de um negro-escuro quase vermelho escarlate cor-de-vinho.

Empurram-nos, empurramo-nos, caímos, espezinhamos, continuamos a correr. Ready to start.
Vamos olhando em frente mas a neblina deixa ver pouco, daquilo que é certo, daquilo que é correcto, daquilo que ainda somos nós, do que deixamos de ver, do que deixamos de ser, de todas as coisas das quais a crença, já não reza na história.

Aos pontapés, e muitos aos xutos, foram deitando a perder, deitando fora a mágoa que magoava o sentimento da revolta colectiva de um país que sempre sempre se viu neste falso arranque, do sorriso amarelo, da esperança perdida, do " porreiro pá", do que fica sempre á porta, dos que tentam em vão dar um pontapé pra frente, no fado e na bola.

A cinza de D.Sebastião, o pronuncio de morte de um Adamastor que vive dentro de cada um de nós, que nos atormenta de noite, que nos sussurra baixinho, que nos leva na corrente de dias que parecem tirados a químico, qual papel Ilford sobre luz vermelha, quase quase pronto a queimar mais um retrato de traços rudes.

Provavelmente, no final, tudo será igual, igual ao pó que daqui sairá, seja do penico em crise desde os 500s, seja do império do sol pronto a se "in"surgir e a comprar barato. No fim, será preto, será branco, será a merda que alguém quiser, que tudo fosse tão simples quanto ter os nossos bem e no sitio certo, quase como o livro da prateleira que se revista de tempos em tempos, em busca de uma virgula que desapareceu ou de um ponto final novo. Os pontos esses, vão aparecendo, as conversas vão ficando e as lembranças flutuam como a mesma névoa que todos os dias nos aparece, seja no peso que nos empurra para a cama, seja no empurrão que levamos no autocarro, ou o empurrão real de que com um vazo na testa ou um súbito fervilhar do coração, tudo isto se desvanece.

Para o bem e para o mal, é no fim da noite, no inicio dela, no meio ou ainda de dias, nos nossos, ou nos dos que ainda estão para vir, que este enorme calhau á deriva neste tremendo vazio espacial, irá ficar. Porque há sempre tempo para um rewind, para um premir de botão, o ciclo repetir-se-á, os malandros voltarão a sorrir, os covardes voltarão para o seu cantinho e os heróis levarão com a chapada na tromba, aquela que vem depois da vitória, com o trofeu na gaveta das meias, a coluna estalada de tanta emoção e o sorriso de outros tempos perdido na memória dos flashes.
De que vale todo o carrosel, se no final temos uma mesa onde se sentaram seis e agora se senta metade de nós.

É tudo tão simples e complicado, tão cru e tão errado, por certo que, pensando pouco e bem, a matemática diria que dois mais dois seriam quatro.

The Arcade Fire - Ready to start



p.s. foto lá longe, perto dos barcos encontrada no báu da nat.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

GODSPEED!

O nó na garganta não me deixa dizer mais do que vai e torna tudo o que projectaste realidade.


those who have higher thoughts are ever striving;
they are not happy to remain in the same place.
Like swans that leave their lake and rise into the air,
they leave their home and fly for higher home.
the Dhammapada

domingo, 5 de setembro de 2010

OS TIROS!


A malta ganha barba, ganha espinhas, dores de cabeça, prazos, horas de entrada e horas de saida, ganha até coisas que preferia perder, perde outras que preferia manter para sempre, e sempre sempre, o tempo não pára para pedir licença, do vai e não vai, do que é e não poderá mais deixar de ser.
As roupas trocam-se, os quartos sucedem-se, as prioridades mudam-se, as caras transformam-se, os hábitos vão ganhando uma regularidade nunca antes questionada, deixa tudo de ser tão simples como ir até á escola e ouvir meia duzia de palavras, escrever um sumários e regressar para o mesmo sitio de sempre, ouvir as mesmas musicas, comer o arroz de frango, ver o jornal da noite sentado com o patrão ao lado, mandar vir com o irmão que mexeu na colecção de discos, com a irmã que quer boleia para todo o lado ou simplesmente com o cão que não pára de ladrar lá fora.
As olheiras vão fazendo parte deste dia-a-dia com sentido mas que por vezes trás a angústia de uma bola que rola para a frente, felizmente, mas que por vezes merecia ser a bola de capão que se desgastava no cimento do ringue dos tropas, com o garrafão de cinco litros ao lado das redes furadas e dos bota-fora intermináveis.

Felizmente, continua a haver um dia do ano, em que as sapatilhas rotas, a t-shirt desbotada, o calção furado, a meia com o dedo de fora, a sardinha e a fevera na grelha abrasada, o "OU! PUM PUM!", a peladinha, as silvas e arbustos, o sôr Cunha dos pratos, as malhas no ar, a lerpa, as idas ao café com a bandeja a voar, a reunião quase familiar que nós faz sentir que pertencemos a um lugar especifico, a um núcleo que se mantém duro, que se têm vindo a formar , com perdas e ganhos, mas com o seu sentido no sitio. Houve quem lhe chamasse irmandade, eu fico-me pela amizade.

Desde que existo, me recordo que este dia igualmente existe, sem fábulas ou contos de encantar, tão simples como por um dia deixar tudo para trás, jogar á bola com o meu pai, ver o meu irmão a crescer, a minha irmã a liderar no beat, a minha mãe com uma paz invejável, tudo no seu lugar, tal qual vinte anos atrás quando era apenas eu e a Belinha, o Leão, o Chico, o Júlio, e alguns outros dos quais não me recordo os nomes, só as caras que chamavam por um André bastante perdido e aluado, que corria atrás dos pratos enquanto os chumbos das finanças ainda zumbiam no ar...


Tudo isto porque as partidas são inevitáveis, e um irmão partiu há dias, e só lhe pude dizer aquilo que neste dia faz sentido, aquilo que tenho retirado deste dia mais feliz do ano, aquilo que retenho de um toy story 3 com arrepio na espinha e lágrima no canto do olho, de um comixzone jogado até ato tutano, de um disco de rage against the machine ouvido até riscar, de um martelo a partir um carro de colecção até se mudarem rodas por rolhas, de umas meias nos punhos e umas cuecas na cabeça, de uma bola do barcelona da nike jogada durante quinze dias a fio no relvado cá de casa, ou de um baloiço que é tão digno que não pode ser sbstituido por um saco da everlast... : que mais do que nos valorizarmos, há que manter os nossos valores e crenças.



Pennywise - Yesterdays


domingo, 23 de maio de 2010

LOST IN THE HEADLIGHTS











Alguns retratos. Chegou ao fim, epoca de rescaldo.

Ao Charlie pelo irmão que foi.
Á Inês pela paciencia, e pela irma que tambem foi.
Ao Jelmer pelas conversas e pactos.
Á Paloma pela Mira na Moderna.
Á Natalia pela amizade e companheirismo.
Á Cristina pelo sorriso de miuda e pela inocencia infantil.
Á Helena por me fazer lembrar a minha tia e pela descontração.
Ao Simon pela responsabilidade e educação.

sábado, 22 de maio de 2010

A DELICATE SENSE OF BALANCE


A musica roda alta no velhinho Sony, riscado e com autocolantes, do Sonic, da Zero, Lord ou da Skate of Mind, skateshop londrina onde me aventurei em dois mil e dois, e também parece que foi ontem.


Os carros continuam a circular pela direita, os semaforos já funcionam, as leis da fisica também parecem identicas ás que deixei em fevereiro por cá. O vento sopra, o frio aperta, o cinza do céu lembra-me a holanda. O abraço aqueceu, um corpo, uma presença fisica que aparenta distanciamento, alheio ás luzes e cheiros antigos mas novos. Fala-se Português.



Acordo perturbado, incomodado com algo. A rotina?
Não, ainda não a tenho. O telemóvel continua desligado, continuo a usar o velho/novo tmn que tinha cá para casa, ligo a quem me apetece e só deixo que me ligue quem me apeteça tambem. Parece-me justo, alias, deveria ser sempre assim.

A janela está aberta, os estores e precianas também, o copo de água na mesinha de cabeceira, a roupa da cama desalinhada e ao monte. O quarto continua virado do avesso, espaço a mais, tralha a mais que não preciso, nunca precisei mas que agora faz ainda menos sentido. As paredes continuam tatuadas, continuam com as marcas do tempo que a minha mãe quer apagar, limpar o quartinho do menino, pintar de novo para parecer novo. Não, esquece isso mãe Helena, deixa para lá os lineups, os cartazes e as fotos de guerra, o posteres de bandas e a juventude perdida que ela não vai voltar, mas desaparecer assim, sem dó nem piedade, como quem muda uma camisa ou se esquece de onde vem e o que o moldou, não é vida, será prostituição!

Desço as escadas, abro o frigorifico, que riqueza, o luxo de outrora. Um belo leite com café, pao com manteiga mimosa, a vista, o acordar com a D. Fernanda a dizer que está orada de orada, que a filha anda aflita com o marido da raça filha da puta, e que o gonçalo já anda e diz Nuno, sim, aquele que lhe ofereceu um TUCTUC amarelo que veio da india para enfeitar a prateleira do quarto mas que pronto, afinal tinha-me esquecido que era para o Gonçalo. Erro meu , claro.

Vou até á sala, ligo a televisão, faço um zapping descontrolado, mudo e mudo e mudo, e não muda nada. Continua tudo igual. O goucha continua viadinho como sempre, a colega dele continua histérica, o Jorge Gabriel continua a ver se come a Sonia Araujo e o Hermano José parece que já tem programa novo. O Unas ainda continua a fazer aquele humor apurado, tão apurado que nem ele se lembra do proposito do programa, mas também nao interessa, é o Unas. As noticias da TVI continuam o terror de sempre, e os cenários tambem, o Marcelo continua a olhar pela vida de todos menos pela dele, e parece-me que o queiros ou vai ser Heroi nacional, ou o Camelo que não se chamava Areias, simplesmente Carlos de seu primeiro nome. Mas devem faltar uma serie de coisas que mudaram e eu é que ainda não reparei nelas. Acho que vou-me embora sem reparar nelas, e provavelmente volto e continuo a não notar diferença, porque será?!

Alias, parece-me que nunca sai daqui, que um ano são dois dias e que duas semanas não passam de umas horas. Sentido estranho este do tempo.

O tempo que me leva a pensar que realmente lá não estava assim tão mal, apesar de não estar assim tão bem também. Não tinha telemóvel, ainda que só para as chamadas que desejo, nem cama, ainda que grande demais, ou quarto que tem ar respirável mas não vislumbro as estrelas.
Merda, tempo não voltes, porque se voltasses também nada seria igual nem saberia ao mesmo.
Acho que mais vale olhar para a frente, encarar o passado e marca-lo na pele, ou no coração, bem lá no fundo do peito, sorrir, deixar para trás a magoa ou a tristeza do que foi e não volta mais, pegar na broa e no presunto, comer umas sardinhas de garrafão com a familia e amigos, jogar as bilharadas no taco, beber umas minis , aproveitar o sol e o ar mais limpo de cá, estranhar a falta de ruido, os condutores educados que não buzinam na cidade, o trafico que trava nos vermelhos, ou os bois que não dão prioridade nas rotundas, as vacas que por cá continuam, mas mais impressionante que isso, aproveitar o facto de tudo realmente não sair do seu lugar, pelo bem ou pelo mal, com ou sem pó, as real as it gets.




Ninguem iria compreender.

Seria dificil de explicar, e sinceramente, aqui entre nós, nunca houve uma intenção de o fazer.
O que fora vivido, guardado na memória, quase como uma reliquia, algo intemporal que talvez nunca tenha acontecido.
Hoje, a pressão talvez seja mais forte, provavelmente se as coisas tivessem sido diferentes, se a aterragem tivesse corrido bem, se todas as forças opressoras não o tivessem encostado á parede, se os gritos interiores tivessem sido suficientes para apaziguar o ruído ensurdecedor do silêncio.
O refugio era procurado, ansiado, em todo e qualquer lado que não cheirasse a casa, depois da saudade morrer, da sede e da fome serem saciados, de tudo o que outrora fez falta não fazer mais, e pior que isso, ter perdido o sentido.
O problema é o lapso, temporal ou de memória, ninguém o saberá dizer, aquele que recoloca as coisas no devido lugar, como uma mulher-a-dias que limpa o pó das prateleiras e volta a organizar metodicamente as peças do puzzle em forma de cacos de viagens ou retratos de família ou manuscritos antigos e modernos que vão ritmando as paredes lá de casa. Ao por e repor, esse mesmo gesto, ainda que por segundos, horas, dias ou meses, em casos mais radicais referimos anos ou vidas como medidas de tempo, significa um recomeço instantâneo, como se do mesmo sitio aqueles artefactos não tivessem saído.




esta foi a musica dos Pelican, que me acompanhou durante toda uma India de descobertas, pessoais e transmissiveis, marcantes e que talvez só me aperceba da gravidade da situação quando me aperceber que é impossivel regressar á ilha.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O EXERCICIO

foi o de voltar a delhi nos ultimos dias da aventura, ao mesmo lugar onde tudo começou, depois da espera no aeroporto, do truque do taxista, do desconhecido se abater sobre nós.
A rua nao parecia nojenta, os esgotos pareciam riachos, as vacas apareceram com a naturalidade que os cães aparecem em Portugal, os cheiros eram familiares, o incenso misturado com os escrementos animais, os sacos de lixo rompidos ou simplesmente o lixo sem sacos a povoarem a lama que por vezes se encontrava coberta por uma timida camada de alcatrão.

Os lençois pareciam lavado, dormi de boca aberta e a babar-me, espalhado na cama como o Songoku o bem faria, nao ressonei, mas dormi até a temperatura o permitir, até o sol me acordar de novo, até me lembrar que o regresso estava para breve e que para breve tudo iria desaparecer, como se nunca tivesse acontecido.

Os ruidos lá distantes.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O FRANCIS CORREU EM KATHMANDU


Sai ao final do dia do Florid Hotel, ia com o charles, paramos para comprar umas bolachas de coco, fruto que cai da arvore nao fruto que todos os dias damos, e continuamos pelo Thamel a ver as lojas a reabrirem. Eram seis horas, depois dos motins do dia, a vida ia-se retomar por umas escassas duas horas. O meu alvo era comprar um postal de Kathmandu que tava prometido para o gajo do core la' da terra e o the Tesseract do Alex Garland. Li o The Coma em algumas horas no dia anterior, sou adepto dos filmes que ele fez com o Danny Boyle e queria ler a outra masterpiece do mestre. Fui saltando de loja de livros em loja de livros.

A rua estava movimentada, os botecos casa sim casa sim casa nao, estavam abertos, o artesanato espalhado nas ruas, as roupas penduradas nas portas e portoes de ferro, os mapas e bones e chapeus e chas das indias pontilhavam a ruela.

ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM

De repente comecaram-se a ouvir berros, cantigos, barafunda. Os lojistas comecaram a recear desacatos, vidros partidos, agressoes, viloencia gratuita a quem nao obedeceu a' paralizacao nacional. Todos os portoes de ferro comecaram a ser encerrados, as pessoas agitaram-se, o ar ficou pesado, eu olhei o final da ruela.

Ai vinham eles, a formarem cordoes humanos, a varrerem a rua, as pessoas recuavam, os turistas com passo rapido mantinham distancia, disparavam uns flashes timidos. Praguejei, deixei a maquina em casa e o filme nao tinha a sensibilidade indicada.
Gelei, voltei a mim, arrepiou-me a tripa, pensei de novo, acordei.
Ja so se viam luzes vermelhas, laranjas, fogo nas tochas dos tumultos, centenas de tochas corriam a rua, e eu primeiro a passo rapido, depois a jogging, depois a Francis Obliculo comecei a puxar pelas pernas. O Charlie concordou que realmente era melhor correr, nao esperar para ver no que dava. Como diria o Vitinho, amandar cos punhos e' uma coisa, biqueirada tambem, mas desde miudo me dizem que se brinco com o fogo mijo na cama a' noite, ou quem brinca com o fogo magoa-se, e nao ha herois.

Teve a sua piada.

Hoje vooei num 757 manhoso da Royal Nepalese Airlines porque o voo da Air India nao foi realizado devido ao motim, que reteu o carro que transportava a crew ate' ao aeroporto. So pensei para mim mesmo que se se tivessem levantado as quatro da manha para apanhar um taxi com o quatro piscas que nao parava em luzes e fazia curvas em contramao benzendo-se de cinco em cinco metros, talvez tivessem chegado a tempo.

Hoje foi o primeiro reencontro. Delhi.
Parece tudo normal, banal, pacato.
Ha tres meses atras deixou-me agarrado as cordas, quase arrumado ao primeiro Round.

Os Adeus ja comecaram, quase terminaram ate'.
Vao comecar os reencontros e com isso os abracos, os beijos e os murros no estomago.



Como estou que pareco um niendertal, vai um cromagnon.

Cro Mags - World Peace



Run Forrest Run poderia tambem ter sido o titulo deste conto.

sábado, 1 de maio de 2010

KATHMANDU - FESTA DO AVANTE









Pois e', nunca fui, nao me pareca que ha de ir, mas como ha coisas ironicas, ela veio at'e mim.
Ontem passei catorze horas na Serra, num Autobus, do Chitwan ate' Kathmandu, das 9:30 da manha ate as 00:30 da madrugada, e engoli muito mas muito gas toxico, muita gasolina e gasoleo e mistura no pulmao.

Enjoei e acho que ja nao gosto mais de cheirar gasolina quando vou as bombas da Cepsa la de penafiel.

O almoco foi feito nas paragens na estrada, nos botecos que se iam encontrado, e foi uma verdadeira prova de bolachas nepalis, desde o classico bombom chocolate ate a' bolacha de Coco ou mesmo a tracidiconal cracker. Nao tinha era cha' para acompanhar. Seria batota se nao dissesse que comi uns egg noodles num restaurante que foi a unica paragem oficial tirando as outras quinhentas nao oficiais ao longo do percurso de duzentos quilometros.

O problema foi a mobilizacao nacional para que no dia 1 todos os vermelhos do pais se juntassem na capital para derrubar o actual regime democratico, e problema foi tambem que muitos habitantes da capital que nao queriam nada com o assunto, com as revoltas e motins, cocktails molotovs e vidros partidos, tenham decidido abandonar o posto e criar um imenso Exodo para fora da cidade. Resumindo, filas interminaveis e sem grande solucao a vista quando as estradas sao piores que a pior nacional portuguesa. Sem exagero. Com mais curvas que a Jenna Jameson nos seus tempos de gloria.

Chegamos a uma cidade deserta, apagao geral e so os taxis ainda estavam acordados.
Crashamos na cama do Florid Hotel, e hoje de manha acordamos com uma cidade calma, a ver o que da'. Pequenos ajuntamentos de manha, tornaram-se grandes manifestacoes na parte da tarde.
Muita policia de choque, muitas bandeiras vermelhas.
A festa do Avante veio e espero eu que nao fique durante muito tempo, muito embora daqui a nada esteja a sair daqui, ainda nao vi por ca o Jeronimo de Sousa mas se o vir pago-lhe um caf'e. Os xutos de pontapes devem abrir amanha o cartaz do festival. Rolling Stones e Guns n Roses estao por confirmar.
A verdade 'e que ate agora tudo esta calmo, andam nas manifes mas sem violencia e so a cantar musicas de amor e liberdade, sixties style.

Tirando a romaria, a cidade e' fantastica, os templos sao geniais e cheios de vida, as pracas sao qualquer coisa de impressionante e estou encantado com Kathmandu. Bom demais, pena termos de pagar para entrar nas varias zonas turisticas da cidade.


Acho que indicado para este cenario, mais que uma musica de revolucao, seria:

Supertramp - Take the long way home

A VIAGEM NO ELEFANTE







De Pokhara segui para o Chitwan National Park.
No panfleto dizia : Viagem de Elefante, Bird Watching, Cannoying, etc etc etc e os Rinocerontes que matam turistas e leoes e leopardos e catatuas e esquilos e ursos e quem sabe dinossauros.
Nao tava muito entusiasmado, so a parte dos rinocerontes que matam turistas anualmente me fascinava, um pouco de aventura off the tourist shaite, mas pronto, era bla bla bla bla e muito bonito, e verde, e toda a gente que vai ao Nepal vai la' e a minha irma ja' la' foi e gostou muito e vais ver que vais adorar e espectaculo digo eu. Ok, desisti, disse que sim, e la fomos os tres Portugas, depois da despedida dos Holandas, os ultimos, e talvez o ultimo grupo deste segundo semestre a desmantelar-se. Lavou-se a roupa suja toda, disseram-se todas as bonitas palavras de despedida, os abracos da praxe, a lagrima nao apareceu mas o recado que tudo o que e' bom acaba depressa estava la. Adiante as lamechices, chegamos ao park, entramos no jipe Suzuki Samurai que tava bem mais partido que o do Pintado, e lembrei-me daquela noitada em Abragao a' beira rio a falar sobre a vida e a correr atras do padeiro que ja andava a distribuir pao pelas portas. Soube bem recordar.

O prato principal veio logo as quatro horas. Andar de elefante.
Nao, nao vou ao circo, nao defendo a exploracao animal, nao fiquei muito feliz por estar a ser carregado pelo pobre animal que mais nada fez na vida que aturar turistas brancos, gordos, de calcoes acima do joelho, binoculos ao peito e oculos da Oakley amarelos. Mas tambem acho que ha elefantes bem mais explorados, bem mais mal tratados e estourados que aqueles, e que no fundo, ja carregaram mil vezes o meu peso e dos meus amigos de sangue portugas. Vidas, dilemas aparte, la fui eu qual Subrho, qual Fritz a montar o Salomao que no final se tornou Solimao, pelas florestas do Nepal. Passamos o Rinoceronte, os outros duzentos estavam de folga e so um se dignou a aparecer para que a viagem nao fosse ainda mais frustrante e ediota, mesmo estilo turista europeu de primeira linha que compra os packs comerciais onde vai tirar a aventura a martelo, e de canivete e lanterna no bolso dos shortes.
Estava tudo muito bem ate que comecou a chover, e a chover, e a chover, e a chover, e a trovejar e a ventar. E pronto, foi o pe' demo'nio, o Deus ma livre, o apocalipse.
Nestes paises os cabos electricos andam por cima, nao por baixo, e como eu neste caso estava em cima e a andar por cima a uns escassos centimetros dos mesmos cabos que ja encabaram muito boa gente e muita parte do mundo, tive muito receio e diria mesmo que quase me caguei mais que o Elefante durante a longa viagem de trinta minutos, e pensei que se nao fosse um raio, uma arvore, um raminho, ou simplesmente o elefante tombar por cima de nos, podia ser um dos cabos que andavam a baloicar ao bom estilo de um salto a' corda que me ia torrar. Estou mais preto com o sol que apanhei, arriscava-me a ficar torrado.

Um banho brutal, ensopou tudo o que havia para ensopar e se a maquina fosse digital de certeza que nao a tinha a funcionar. Como ja nao tenho nada comigo de valor, so a maquina correu riscos e perigos de vida. Abandonei pois claro, nao tinha consulta as cinco, mas tinha de mudar de roupa ou entao ia passar a noite a Benuroes e familia. Falando em familia, a minha avo diria que iria apanhar uma Pneumonite.

Foi como aqueles dias de verao em que se monta a festa toda e depois vem a chuva e estraga tudo, ou mesmo de inverno outono ou primavera, porque estas coisas acontecem com frequencia e realmente, estragam a festa toda. Se era uma festa neste caso, nunca o saberei, ja comecava a ficar com calos no redondo e nao e' confortavel e nao me deixou de consciencia leve.

Dormi e esperei que o dia trouxesse o bus para Kathmandu, de seis horas.

KF - Vacation Spot

terça-feira, 27 de abril de 2010

TINTIN AU TIBET







Cheguei ao nepal depois de vinte e quatro horas de comboio, jeep manhoso e mini-bus com outros tantos artistas da bola que vieram para missoes bem mais hardcore que a minha como passeatas no campo ate' aos quatro mil e tal metros durante dez dias. Eu vim pra paisagem, respirar ar fresco depois de uma cidade tao intensa e pesada como Varanasi.
Varanasi e uma cidade onde ate o ar custa a entrar nos pulmoes, as pessoas andam todas pedradas, em busca dos deuses todos que largaram o pais a milhares de anos. Se Saramago diz que deus trabalhou seis dias e depois tirou ferias ate hoje, acho que estes trabalharam bem no enredo e depois cagaram de alto, literalmente. Ali tudo era estranho, estranhamente envolvente e surreal, cheio de animais, gente a dormir o dia todo nas ruas, quase todos a chutarem para a veia "o remedio divino", uma maneira bem leviana de ver a droga, com os templos cheios de junkies e com o ponto alto nos corpos queimados a' beira rio a uns miseros metros dos banhistas. Higiene pessoal nunca fez tao sentido quando se escovam dentes com os dedos dos outros, purificados pelo fogo divino e pelo tao ansiado nirvana alcancado em Banaras. Acho que nem o Kurt Cobain se lembrou desta se nao teria dito 'a Courtney que em vez de um balazio nos cornos o caminho seria uma bela queimada na India.

Para tras no meio disto tudo ficam as praias de Goa e a cidade dos morto-vivos...
Precisava de mais de uma hora aqui na internete mas so consigo ter tempo de responder a e-mails para familia e pouco mais, a rede e' cara e os teclados sao duros de martelar.

Do Nepal, mais concretamente das silhuetas negras que vi de montanhas e estradas interminaveis, estradas que nao tem buracos mas sim buracos que tem estradas e que sao feitas a oitenta ou noventa kmh sempre a bulir como se nao houvesse amanha, e pouco faltou para nao haver amanha, fosse estampado tipo sticker num TATA ou pela ribanceira abaixo sem pinheiros para matar e com muita silva e vegetacao alta e baixa para contar ate' mais proximo curso de agua por onde passamos.
Hoje remei no lago de Pokhara, comi um magnifico mixed fried rice que ate bocadinhos pequeninos de bife tinha e arranjei o bilhete para o parque natural algures por aqui que daqui a dias vou ver.

Amanha as cinco da manha comeco uma mini caminhada, para morcoes, pussys, amadores, rookies, chamem-lhe o que quiserem, mas nao tenho tempo, e quero ir ate kathmandu ver se encontro alguem que ja perdi pela viagem milhares de vezes e que a proximidade do regresso me teima em confrontar.

ser'a caso para dizer que ja ouco os escorpioes a sussurrarem ao meu ouvido.

Scorpions - Winds of Change

sábado, 24 de abril de 2010

GRANDOLA


Hoje, na cidade dos mortos, dos vivos que esperam pela morte, dos mortos-vivos de heroina e cocaina ejectada como reme'dio apaziguador e ligacao divina a Shiva, Ganesh ou Brahma, onde os corpos sao queimados e lancados ao rio onde os miudos nadam e tomam banho, lembrei-me de uma revolucao dos cravos que se celebra amanha, dis vinte cinco de abril, como o do estadio de la' da minha terra onde muitas vezes vi o meu clube a ganhar e a perder, as vezes (nao poucas) empatar, disse palavroes com o meu pai ao lado e ate o vi a' bofetada por motivos que nem lhe diziam respeito.

Sim, abri o youtube, deixei carregar a musica, ouvi o marchar e deixei-me levar pela letra. Um dos espanhois que esteve em Ahmedabad comigo, o Jaime, sabia a musica de cor, ja a tinhamos cantado, ja tinha achado piada ele saber uma musica como aquelas. Tinha a barba por fazer, gostava de ser comunista disse-me ele um dia, mas nao o era. As tantas anda enganado.

Volto ao tema, a' revolucao, aos cravos, ao dia vinte e cinco daquele Abril. Nao o vivi, nao vou falar do que nao vi, falo do que sinto por saber que hoje o pais e' livre, nao de muitos preconceitos e males, ou de muitas doencas mentais e de epoca, mas melhor assim, que axfixiado, que preso a um Deus, a' Patria e a' Familia. Acho que as geracoes perdidas que dai se seguiram, a que passou na heroina, a minha nas incertezas de um futuro letrado mas atras de um emprego para o qual nao nos qualificamos, ou mesmo as mais recentes que se tornaram mais virtuais e digitais que o proprio Kubrik com a odisseia no espaco, talvez ainda nao consigam compreender, tal como eu nunca hei de conseguir, o peso da opressao, o peso do controle, do cctv politico e da censura.

Gostava de poder ver agora a foto do meu avo a apoiar o Humberto Delgado na sua visita a Penafiel, pela qual lhe passaram demasiados desgostos.

Zeca Afonso . Grandola Vila Morena

sexta-feira, 23 de abril de 2010

SLUMDOLLAR




Vamos por partes.
Ja estou em Varanasi, para tras ficaram Mumbai e GOA. ?Uma busca rapida no google dira que sao tres sitios que tanto a ver uns com os outros como o Papa teria a ver com Jesus Cristo, mas isso sao outras guerras.

Bombaim e' uma cidade produto, uma imagem de centro de cidade estilo Europeu, fortemente Colonial, controlada, onde tudo respira em condicoes, o transito e' ordenado, nao ha arrumadores de carros, nao ha muito lixo no chao, ha glamour e bares ocidentais, restaurantes de luxo e mercedes a percorrerem o alcatrao. Se eu reler tudo isto, nao releio em nada disto a India que vi nos ultimos meses.
Mas Mumbai tem quarenta quilometros de extensao, quase o dobro da populacao de Portugal na Urbe, e mais de duzentos milhoes em outskirts. Mumbai e' uma maquina, Mumbai nao tem nativos, so emigrantes e migrantes, gente que faz de mumbai um sistema de reciclagem onde claro esta o mais fraco faz e limpa o sujo, o mais rico vive no condominio e passeia-se pelo centro ocidental.

Felizmente tive a oportunidade de ir a uma favela, a uma Slum. Foi provavelmente o mais intenso que provei aqui, depois de mais de setenta dias de India, provei o esgoto e o ar humido dos labirintos de Dharavi, a maior favela de Mumbai.

Dharavi seria uma cidade dentro de outras mil cidades, uma cidade com industria, com zona comunitaria e zona residencial. Com um milhao de habitantes concentrados numa area que nao seria maior que Canelas, a terra perdida no meio dos montes de Penafiel.
Dharavi dava milhares de historias. Possui uma industria fortemente DIY, na base da reciclagem de plasticos e producao de materias primas com base no lixo dos outros. Caso para dizer que a merda do Mundo e' Ouro por ca'. Literamente, porque se nao fosse literal nao produzia um montante de 6.000.000.000$ anuais que claro esta nao sao divididos pelos trabalhadores que trabalham catorze horas diarias num espaco de 9m2 e ai comem urinam e dormem. Ha outros peixes a mamarem o que nao e' deles.
Tudo e' feito em chapa, ou plstico, ou madeira, ou mdf, ou papel. Tudo ia cos porcos se o Lobo soprasse com mais forca.
Mas depois de ver tudo isto, com o nosso "guia" da favela a explicar o melhor que podia e a guiar-nos no meio do labirinto, chegamos ao prato principal.
Este deixou-me indisposto, parecia um dos muitos pratos com demasiado chilli, ou que realmente nao foram talhados para o meu estomago mas que tens de comer, porque como diriam la em casa, ha que comer de tudo. E se nao se come, come-se comida de urso. Melhor a primeira opcao.

Segui por um corredor de oitenta centimetros de largura, la ao fundo um homem tomava banho com um minimal raio de luz sobre ele, logo a seguir viro a' direita e vejo um corredor com cinquenta centimetros no maximo, mais de cem de extensao, sem luz, com os cabos de electricidade a uns belos dois metros de altura, o esgoto a passar-me pelos calcanhares, o ar abafado que nao corria, e a rua que nao se via. E tudo era assim, sem mais acabar ate chegar ao patio das traseiras, lixeira a ceu aberto, onde todos cagam com ar condicionado ou se preferem a casinha publica, partilham-na com mais mil pessoas diariamente.
Fui caminhando com a sensacao que era um sortudo, por ter mil vezes mais condicoes que todas estas pessoas, mas que sinceramente, pelos sorrisos dos miudos, pela postura e atitude, ali aprendia-se a viver o dia de hoje, sem grandes planos para o amanha e' certo, mas o hoje era bem vivido. Ainda que sem agua, sem comida e sem um tecto unico e estavel, mas era melhor que estar morto como diria o guia.

Na inha cabeca ecoava o Beggin in the Slums, Defeater. Fazia sentido ver os miudos a jogarem cricket com bolas de tenis, sem tenis nos pes, descalcos e rijos, sem dentes cariados, sem drogas e alcool porque quem brinca e trabalha nao se mete nisso diziam os locais, com os pneus carecas da bicicleta, a quererem saber nomes e paises, dizer um ola e dar um aperto de mao.
Sao oitos e oitentas, um girar, uma roda que nao para, que se alimenta de motivos como a reciclagem do mundo ocidental, do nosso lixo diario, do nosso consumismo, o traduz em miseros rupias, em camas de papel, alimentacoes frageis e vidas sem futuro, grao a grao, passo a passo, dente a dente...

Ser'a esta a India que todos querem ver no topo mundial, como pais desenvolvido? Nao consigo ver, mas provavelmente ninguem veria os Romanos no colapso, os Egipcios extintos, ou outras tantas civilizacoes que tiveram o seu apogeu e depois tombaram que nem penedos, rolantes.

A pergunta que se faz nao e' se na India, territorio, ja houveram apogeus civilizacionais. Houve as centenas, pela quantidade de patrimonio que aqui ha e muito por descobrir esta'.
O apogeu so chegou para alguns nesta India que se conhece como territorio unido mas que de unido tem muito pouco, e de coeso e coerente tambem, porque de norte a sul tudo muda, desde a paisagem a's pessoas, linguas e tradicoes.

Neste pais cabe tudo onde noutros continentes nao cabem nem a martelo, e nao falo so de espaco.

THE FALL OF TROY - introverting dimensions

sábado, 17 de abril de 2010

BOMBAIM!


Depois de viajar num caixote de chapa por umas doze horas, vindo das grutas budistas de AJANTA ( tambem la jantei um chicken biryani ), fiz duzentos metros num taxi manhoso at'e ao hotel YMCA, tomei um pequeno-almoco / almoco num cafe ocidental chamado MUNDEGAR, com uma omelete a' portuguesa, uma pasta italiana, uma soda americana, com os holandas a tomarem um vinho tinto frances fresco, e enquanto tudo isto se passava, rolava na jukebox Texas style uma banda britanica de seu nome RADIOHEAD, musica NO SURPRISES. Sera'?

Nos Portugueses, comecamos isto tudo.

BOM
BAIM!