terça-feira, 27 de abril de 2010

TINTIN AU TIBET







Cheguei ao nepal depois de vinte e quatro horas de comboio, jeep manhoso e mini-bus com outros tantos artistas da bola que vieram para missoes bem mais hardcore que a minha como passeatas no campo ate' aos quatro mil e tal metros durante dez dias. Eu vim pra paisagem, respirar ar fresco depois de uma cidade tao intensa e pesada como Varanasi.
Varanasi e uma cidade onde ate o ar custa a entrar nos pulmoes, as pessoas andam todas pedradas, em busca dos deuses todos que largaram o pais a milhares de anos. Se Saramago diz que deus trabalhou seis dias e depois tirou ferias ate hoje, acho que estes trabalharam bem no enredo e depois cagaram de alto, literalmente. Ali tudo era estranho, estranhamente envolvente e surreal, cheio de animais, gente a dormir o dia todo nas ruas, quase todos a chutarem para a veia "o remedio divino", uma maneira bem leviana de ver a droga, com os templos cheios de junkies e com o ponto alto nos corpos queimados a' beira rio a uns miseros metros dos banhistas. Higiene pessoal nunca fez tao sentido quando se escovam dentes com os dedos dos outros, purificados pelo fogo divino e pelo tao ansiado nirvana alcancado em Banaras. Acho que nem o Kurt Cobain se lembrou desta se nao teria dito 'a Courtney que em vez de um balazio nos cornos o caminho seria uma bela queimada na India.

Para tras no meio disto tudo ficam as praias de Goa e a cidade dos morto-vivos...
Precisava de mais de uma hora aqui na internete mas so consigo ter tempo de responder a e-mails para familia e pouco mais, a rede e' cara e os teclados sao duros de martelar.

Do Nepal, mais concretamente das silhuetas negras que vi de montanhas e estradas interminaveis, estradas que nao tem buracos mas sim buracos que tem estradas e que sao feitas a oitenta ou noventa kmh sempre a bulir como se nao houvesse amanha, e pouco faltou para nao haver amanha, fosse estampado tipo sticker num TATA ou pela ribanceira abaixo sem pinheiros para matar e com muita silva e vegetacao alta e baixa para contar ate' mais proximo curso de agua por onde passamos.
Hoje remei no lago de Pokhara, comi um magnifico mixed fried rice que ate bocadinhos pequeninos de bife tinha e arranjei o bilhete para o parque natural algures por aqui que daqui a dias vou ver.

Amanha as cinco da manha comeco uma mini caminhada, para morcoes, pussys, amadores, rookies, chamem-lhe o que quiserem, mas nao tenho tempo, e quero ir ate kathmandu ver se encontro alguem que ja perdi pela viagem milhares de vezes e que a proximidade do regresso me teima em confrontar.

ser'a caso para dizer que ja ouco os escorpioes a sussurrarem ao meu ouvido.

Scorpions - Winds of Change

sábado, 24 de abril de 2010

GRANDOLA


Hoje, na cidade dos mortos, dos vivos que esperam pela morte, dos mortos-vivos de heroina e cocaina ejectada como reme'dio apaziguador e ligacao divina a Shiva, Ganesh ou Brahma, onde os corpos sao queimados e lancados ao rio onde os miudos nadam e tomam banho, lembrei-me de uma revolucao dos cravos que se celebra amanha, dis vinte cinco de abril, como o do estadio de la' da minha terra onde muitas vezes vi o meu clube a ganhar e a perder, as vezes (nao poucas) empatar, disse palavroes com o meu pai ao lado e ate o vi a' bofetada por motivos que nem lhe diziam respeito.

Sim, abri o youtube, deixei carregar a musica, ouvi o marchar e deixei-me levar pela letra. Um dos espanhois que esteve em Ahmedabad comigo, o Jaime, sabia a musica de cor, ja a tinhamos cantado, ja tinha achado piada ele saber uma musica como aquelas. Tinha a barba por fazer, gostava de ser comunista disse-me ele um dia, mas nao o era. As tantas anda enganado.

Volto ao tema, a' revolucao, aos cravos, ao dia vinte e cinco daquele Abril. Nao o vivi, nao vou falar do que nao vi, falo do que sinto por saber que hoje o pais e' livre, nao de muitos preconceitos e males, ou de muitas doencas mentais e de epoca, mas melhor assim, que axfixiado, que preso a um Deus, a' Patria e a' Familia. Acho que as geracoes perdidas que dai se seguiram, a que passou na heroina, a minha nas incertezas de um futuro letrado mas atras de um emprego para o qual nao nos qualificamos, ou mesmo as mais recentes que se tornaram mais virtuais e digitais que o proprio Kubrik com a odisseia no espaco, talvez ainda nao consigam compreender, tal como eu nunca hei de conseguir, o peso da opressao, o peso do controle, do cctv politico e da censura.

Gostava de poder ver agora a foto do meu avo a apoiar o Humberto Delgado na sua visita a Penafiel, pela qual lhe passaram demasiados desgostos.

Zeca Afonso . Grandola Vila Morena

sexta-feira, 23 de abril de 2010

SLUMDOLLAR




Vamos por partes.
Ja estou em Varanasi, para tras ficaram Mumbai e GOA. ?Uma busca rapida no google dira que sao tres sitios que tanto a ver uns com os outros como o Papa teria a ver com Jesus Cristo, mas isso sao outras guerras.

Bombaim e' uma cidade produto, uma imagem de centro de cidade estilo Europeu, fortemente Colonial, controlada, onde tudo respira em condicoes, o transito e' ordenado, nao ha arrumadores de carros, nao ha muito lixo no chao, ha glamour e bares ocidentais, restaurantes de luxo e mercedes a percorrerem o alcatrao. Se eu reler tudo isto, nao releio em nada disto a India que vi nos ultimos meses.
Mas Mumbai tem quarenta quilometros de extensao, quase o dobro da populacao de Portugal na Urbe, e mais de duzentos milhoes em outskirts. Mumbai e' uma maquina, Mumbai nao tem nativos, so emigrantes e migrantes, gente que faz de mumbai um sistema de reciclagem onde claro esta o mais fraco faz e limpa o sujo, o mais rico vive no condominio e passeia-se pelo centro ocidental.

Felizmente tive a oportunidade de ir a uma favela, a uma Slum. Foi provavelmente o mais intenso que provei aqui, depois de mais de setenta dias de India, provei o esgoto e o ar humido dos labirintos de Dharavi, a maior favela de Mumbai.

Dharavi seria uma cidade dentro de outras mil cidades, uma cidade com industria, com zona comunitaria e zona residencial. Com um milhao de habitantes concentrados numa area que nao seria maior que Canelas, a terra perdida no meio dos montes de Penafiel.
Dharavi dava milhares de historias. Possui uma industria fortemente DIY, na base da reciclagem de plasticos e producao de materias primas com base no lixo dos outros. Caso para dizer que a merda do Mundo e' Ouro por ca'. Literamente, porque se nao fosse literal nao produzia um montante de 6.000.000.000$ anuais que claro esta nao sao divididos pelos trabalhadores que trabalham catorze horas diarias num espaco de 9m2 e ai comem urinam e dormem. Ha outros peixes a mamarem o que nao e' deles.
Tudo e' feito em chapa, ou plstico, ou madeira, ou mdf, ou papel. Tudo ia cos porcos se o Lobo soprasse com mais forca.
Mas depois de ver tudo isto, com o nosso "guia" da favela a explicar o melhor que podia e a guiar-nos no meio do labirinto, chegamos ao prato principal.
Este deixou-me indisposto, parecia um dos muitos pratos com demasiado chilli, ou que realmente nao foram talhados para o meu estomago mas que tens de comer, porque como diriam la em casa, ha que comer de tudo. E se nao se come, come-se comida de urso. Melhor a primeira opcao.

Segui por um corredor de oitenta centimetros de largura, la ao fundo um homem tomava banho com um minimal raio de luz sobre ele, logo a seguir viro a' direita e vejo um corredor com cinquenta centimetros no maximo, mais de cem de extensao, sem luz, com os cabos de electricidade a uns belos dois metros de altura, o esgoto a passar-me pelos calcanhares, o ar abafado que nao corria, e a rua que nao se via. E tudo era assim, sem mais acabar ate chegar ao patio das traseiras, lixeira a ceu aberto, onde todos cagam com ar condicionado ou se preferem a casinha publica, partilham-na com mais mil pessoas diariamente.
Fui caminhando com a sensacao que era um sortudo, por ter mil vezes mais condicoes que todas estas pessoas, mas que sinceramente, pelos sorrisos dos miudos, pela postura e atitude, ali aprendia-se a viver o dia de hoje, sem grandes planos para o amanha e' certo, mas o hoje era bem vivido. Ainda que sem agua, sem comida e sem um tecto unico e estavel, mas era melhor que estar morto como diria o guia.

Na inha cabeca ecoava o Beggin in the Slums, Defeater. Fazia sentido ver os miudos a jogarem cricket com bolas de tenis, sem tenis nos pes, descalcos e rijos, sem dentes cariados, sem drogas e alcool porque quem brinca e trabalha nao se mete nisso diziam os locais, com os pneus carecas da bicicleta, a quererem saber nomes e paises, dizer um ola e dar um aperto de mao.
Sao oitos e oitentas, um girar, uma roda que nao para, que se alimenta de motivos como a reciclagem do mundo ocidental, do nosso lixo diario, do nosso consumismo, o traduz em miseros rupias, em camas de papel, alimentacoes frageis e vidas sem futuro, grao a grao, passo a passo, dente a dente...

Ser'a esta a India que todos querem ver no topo mundial, como pais desenvolvido? Nao consigo ver, mas provavelmente ninguem veria os Romanos no colapso, os Egipcios extintos, ou outras tantas civilizacoes que tiveram o seu apogeu e depois tombaram que nem penedos, rolantes.

A pergunta que se faz nao e' se na India, territorio, ja houveram apogeus civilizacionais. Houve as centenas, pela quantidade de patrimonio que aqui ha e muito por descobrir esta'.
O apogeu so chegou para alguns nesta India que se conhece como territorio unido mas que de unido tem muito pouco, e de coeso e coerente tambem, porque de norte a sul tudo muda, desde a paisagem a's pessoas, linguas e tradicoes.

Neste pais cabe tudo onde noutros continentes nao cabem nem a martelo, e nao falo so de espaco.

THE FALL OF TROY - introverting dimensions

sábado, 17 de abril de 2010

BOMBAIM!


Depois de viajar num caixote de chapa por umas doze horas, vindo das grutas budistas de AJANTA ( tambem la jantei um chicken biryani ), fiz duzentos metros num taxi manhoso at'e ao hotel YMCA, tomei um pequeno-almoco / almoco num cafe ocidental chamado MUNDEGAR, com uma omelete a' portuguesa, uma pasta italiana, uma soda americana, com os holandas a tomarem um vinho tinto frances fresco, e enquanto tudo isto se passava, rolava na jukebox Texas style uma banda britanica de seu nome RADIOHEAD, musica NO SURPRISES. Sera'?

Nos Portugueses, comecamos isto tudo.

BOM
BAIM!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

THE BEGINNING OF ALL THINGS TO END


Intro de KYI.

Este titulo seria apropriado para um qualquer trabalho de oficina de artes de decimo primeiro ano, com o purehatred e o mudvayneboy a colarem maxes cavaleras e coreys numa tela vertical, eu entretido com o Bush de moustache alemao e o pinto com a fome em Africa. Belos tempos, mesmo antes antecedidos pelo Valdemar, o "Banal", personagem que vivera' sempre na minha memoria, com a grande frase " podes-te tar a cagar para isto tudo, mas quando precisar que estejas a dar o litro tens de corresponder". Parece-me uma grande licao de vida, porque nao temos de estar sempre atentos ou sempre na terra ou sempre sentados a frente do ecra a carregar em teclas ou a dizer que sim e que nao ou a tirar missa de corpo presente num qualquer cubiculo de escritorio. Acho que o Valdemar vivia no Portugal a pensar que estava na India. So' Ganesh sabe.



Hoje e' o dia, chegou a hora, ja lavei a roupa toda, no tanque la de casa, com sabao azul a' porto, com ganas de limpar o possivel mas deixar as marcas desta India constantemente suja, e ja ta tudo seco, empacotado, empacotados tambems alguns quilos de roupa que nao devia ter vindo e que agora nao me compensa levar ate' ao fim, parece que ha coisas que se vao deixando e outras enviam-se pelo correio. Ja tenho as costas benzidas, nao fiz nenhum mal jeito desde que ca estou, parece-me que esta me vai aguentar ate' aos himalaias, e se nao aguentar, sais de frutos e cha', dieta rigorosa e a caravana continua.


Custa dizer o adeus, mas custava mais se nao o dissesse, e no final serem tudo numeros de telemovel e enderecos eletronicos e codigos postais indiferentes e meramente aleatorios, ditados pela vontade de alguns de verem o taj mahal, de outros de comerem chicken butter masala, de outros de enviarem postais para a familia e marcarem o passaporte, e de alguns, poucos, de mergulharem num mundo ao contrario, onde ate as leis da fisica parecem nao colar com frequencia.


Sem mais nada a crescentar a esta chamada de valor acrescentado, parto sem telemovel porque ate sem ele fiquei, t shirt colada a's costas com os quarenta e cinco la' de fora, estomago ainda vazio que penso preencher em alguns minutos, com saquinho as costas e o emepetres carregado de cantigas de amor e de raiva, e tambem outras de chillout tambem para a odisseia dos himalaias, com passagem pelas praias portuguesas de GOA, a caotica BOMBAIM e a mistica VARANASI.

Ate' 'as uvas!


SOULFLY - BACK TO THE PRIMITIVE

segunda-feira, 12 de abril de 2010

LOST AT SEA


Ainda ando atras das palavras,

para expressar, tentar transmitir ,se e' que e' preciso faze-lo, o quao complicado e angustiante e' lermos as ultimas paginas de um livro e sabermos quantas faltam para que acabe, um livro que te esta' a dar gosto ler, quem sabe ate' escrever. Ou por vezes deixaste que escrevessem por ti, com um olho fechado e outro aberto, ou a olhar para o lado como quem nao quer a coisa mas ciente do que se esta a passar.

Sim, e' complicado. As ultimas sao sempre complicadas, porque sao as ultimas, porque podem nao voltar mais e normalmente nao voltam, e porque representam o fechar de um capitulo, de uma etapa, por vezes de uma fase, ou no seu mais basico significado o fim. O fim que sempre chega, para todos e para todas as coisas, mais cedo ou mais tarde, suave ou agreste. Certinho direitinho.


No sabado foi um desses dias, e estes dias tem sido de ressaca, para ja' suave, com uma ligeira dor de cabeca, uma leve indisposicao. Os meses parecem anos, frequentemente pesam como tal, para o bom e para o mau, mas como tudo na vida, mais vale andar para poder contar, aprender para poder ensinar. Se recearmos tudo isto, estagnamos na apatia de um quotidiano calculado e metodicamente preparado. Ou entao nao ha contacto, sem trocas externas, sem sentimento. E porque tudo acaba, valera' a pena abrir o leque? Porque o final sempre aparece, sera' que ha um calculo matematico para a despedida? Para o derradeiro "ate' qualquer dia"?


O meu avo Quim Casinha, teimoso e pessimista, bom e duro homem de valores e dedicacao, de gancho, dente de ouro no faqueiro ja bastante perfurado mas que ainda trinca aqueles bifes da Zilda e aquele arroz que so ela sabe fazer, quando foi para o Brasil nos 60s, familia na mala e coracao no bolso, disse "Adeus Lisboa que nunca mais te volto a ver".

Por acaso, das outras dez vezes que la foi disse o mesmo . E se tudo correr bem, da proxima voltara' a dize-lo.

Gosto de dizer adeus e pensar que em pouco tempo ha reencontro, que as coisas voltarao a ser iguais e que todos aqueles com quem nos cruzamos, de algum modo fazem parte deste grande percurso. Parece-me inevitavel ir buscar as historias das aventuras, dos episodios em que ja me vi, com este e com aquele, com "um amigo" ou "um colega" ou um xerife que conheci quando fui ali. Talvez seja sempre nesses contos que estas personagens voltam a aparecer, porque nao pertencem mais a' vida real, ficaram la' atras na memoria, e quando um tipo volta a falar, a conversar, muito mudou, e esse conto deixa de fazer sentido. Pode ter a ver com o " nunca regresses aonde ja foste feliz".


A pergunta que se faz tambem 'e at'e que ponto, se da' , se entrega, se partilha, se mostra. Tenho o vicio do dialogo, da conversa pacata sobre tudo e sobre nada, sobre coisas que de si so' nao dariam artigo de jornal mas que em amena cavaqueira preenchem os seroes e as tardes, as viagens, as noitadas de copadas ou trabalho. Esse vicio mostra bastante, da' muitas cartas, transmite demais. Tenho o vicio de acreditar, de exprimir, de nao calcular muito o que digo e que faco na ocasiao. Acho que o Andr'e toma mais conta de mim que o Nuno. O Andre' que a familia ainda chama, a pensar que esta' a chamar o Nuno.


Se nao formos transparentes usamos uma mascara, nao deixamos passar a palavra, nem passar o esgar de dor ou alegria, a muralha protege, inibe a aproximacao, controla a situacao.


Tudo isto para chegar ao momento presente, de dizer Adeus, a' casa, 'as Vacas, aos meus vizinhos, colegas de sala, colegas de quarto, amigos e companheiros de quotidiano feito guerra.

Se nao tivesse tentado, hoje estaria mais pacificado, mais sereno, frio e calculista como se mais um final de festa se tratasse. Felizmente nunca fui um tipo de noite, e embora me pareca com um simio neste meu desajeito ao caminhar fisica e psicologicamente, nao sou o macaco adriano, rei da noite style ( viva essa intro de mata-ratos) e valorizo estes pequenos e futuramente nostalgicos momentos. Eu olho a' volta e toda a gente ta animada, ja' acabou, siga a marinha. Para mim e' amargo acabar, e' dificil e deixa-me desocupado, deixa-me a pensar que o tempo voa e que ta sempre a contar, a fugir. Estes tipos tao sempre ainda mais ausentes que eu, que sempre na Lua ainda me parece que me afecta muita coisa que se prende bem ao real.


Parece-me que toda esta falta de pensar, sobre o que e' mudar de vida, o que sao estes pequenos oasis que nos permitem viver mais em meses que em anos, e que criam ligacoes fodidas, porque nao ha mesmo palavra mais suave, e nestes momentos sermos suaves e' querermos mentir a no's mesmos numa boa onda mental. A malta anda perdida e' nessas ondas, talvez porque ao contrario de no's portugueses, que valorizamos a ausencia e temos uma palavra chamada " saudade" muitas vezes adornada por outra que se da' pelo nome de "nostalgia", para eles isto significou ou significa uma mota preta a brilhar ao sol. Eu interessa-me mais saber da estrada, que fiz e vou fazer, e de todas as paragens que marquei, todos os que conheci e que gostaria de poder reencontrar com o mesmo feeling com que nos encontramos ca', mente aberta e coracao no sitio.


Antes de zarpar, para Bombaim, Elora, Goa, Varanasi, Kathmandu, Dheli, Londres, Porto e Penafiel, em betao deixo marcado, que por muito que andes, se nao deres nada de ti, nada recebes.


E que realmente, se nao partires nunca chegaras.

A perceber o valor da intensidade.

O peso da saudade

Mas porque tambem vivemos no hoje, o poder do momento.



death threat - bury my heart

sexta-feira, 9 de abril de 2010

ROBOT ORCHESTRA











Quatro e vinte e tres, com sorte hoje durmo tres horas depois de tres dias de trabalho nem sempre no duro mas a tempo inteiro.

Nao, nao vim ca pela paisagem, arquitectura paisagista tambem nao, se e' que sei o que e' arquitectura ou algo que se possa parecer com essa coisa complicada e tao relativa e aberta a discussao. Cada vez mais me parece que a malta quer ser antropologa, historiadores, sociologos e psicologos, mas eu queria era desenhar, queria fazer o que me interessa, que e' fazer e nao falar.


Oito semanas, evidentemente que nao so de trabalho, e talvez so nestes ultimos dias tenha concretizado, se e' que concretizei alguma coisa, pelo menos cheguei a algum lado, a um porto de chegada que teimou em nao aparecer a muitos que o procuravam, talvez em demasia na diferenca, no olhar eximio de quem quer ver o pentelho, ou o pelo no nariz, ou a cera no ouvido, ou a marca de nascenca na iris da companheira.


Como diria o outro, nao sou de c'a, so' vim ver a bola. Alias, quando quero tambem sou ignorante e lorpa e me faco de burro, e nisto da arquitectura ha muita vez que temos de calar, ter paciencia e eu nisso falho bastante, tenho pouca. Adoro pensar, mas as vezes pensar demais sobre a emigracao das aves selvagens do sudueste africano ate' ao cume da montanha mais alta da Siberia nao me interessa no ambito projectual.


Fica aqui o sumo destas oito semanas, e se me perguntarem porque e' que e' branco, eu pergunto porque que teria de ser preto ou vermelho ou castanho ou em tijolo ou adobe ou mosaico ou noutra coisa qualquer porque as estacoes de comboio na India e na grande maioria dos lados, sao edificios frios, governamentais, desprovidos de qualquer gesto ou sentimento, feios que deus alivre. 'E branco porque me apeteceu que fosse branco, e nao me parece que o indiano que mora no meio da valeta, ou o que dorme sempre ao relento, ou o que nao tem onde cair morto se va importar de receber uma casa com os metros quadrados minimos ( que para no's europeus supera em quinhentos por cento o minimo deles) para que seja feliz e o cao tenha a casota no quintal, a mulher faca o thali vegetariano na cozinha, ele tenha o caixote na sala para ver o cricket, tenha uma retrete ventilada, um sitio para dormir no inverno e poder muda-la para o meio das couves com o calor do verao e mais importante 'e que o miudo brinque na rua sem tropecar no esgoto a ceu aberto.
Simples mas bem complexo. e' claro que em cada lugar do mundo se vive de maneira diferente apesar de haver necessidades basicas (e outras menos basicas) que contam para a escrita. Variaveis.

Fica aqui o meu primeiro post de trabalho que nao ficou acabado, ta e' a bom jeito holandes, apresentado, mas sem as setas do costume, os esquemas em ilustrator ou indesign e os materiais exoticos..

Big ups! para:
Charlie Rocks, sem ele a coisa era bem mais complicada. A estacao e a rampa foi desenhada pelos dois.
A Natalia voltou a relembrar-me como mexer no photoshop, isto de deixar a tecnologia para tras e viver num mundo analogico tem que se lhe diga, sem essa ajuda ja nao me lembraria como pimpar um modelo de sketchup manhoso!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

NO CABO DO MUNDO


Back in the days, era bem mais simples. Eu queria ser lixeiro, tu ainda nao querias ser bailarina.

O mundo vai girando, a malta vai crescendo, fica a saudade.

Naquela altura era o que dava, e era bom demais. No Cabo do Mundo, a quarenta quilometros de casa.

Ouviamos as estorias da mariazinha, da Torre da B(ab)ilo'nia quem la' vai nunca mais torna, do Touro Azul, da Cadelinha das contas de oiro e dos Meninos da Agua levada. A praia tinha uma agua que gelava, aprendiamos a nadar de barriga na areia, e de tarde sentavamos nos sofas verdes la' da casa da Olivia, refastelados com Dragon Ball e pao com tulicreme.


Hoje tas grande pa', cresceste, eu tambem, infelizmente.

Lembro-me bem das bofetadas que levei quando partiste o queixo a' minha custa, a saltar de cama para cama, viagem aerea interrompida... e desculpa-me se ainda te parto muitas vezes o queixo quando nao te defendo e me limito a ser duro contigo, e fazer contigo o que nao gosto que facam comigo, tirar-me os meus sonhos e dizerem-me que nao posso fazer o que me comprometi a fazer. Por acaso, ate' estou num momento desses, com um indiano, um holandes, duas espanholas e uma alema, trabalho de grupo infernal , sinking ship que teimo em nao largar.

Aqui passam tres horas das zero, por isso ja posso te dar os parabens. Provavelmente nao te consigo ligar hoje, ligo-te mal acordar, com o corvo da manha, ou o comboio a passar ao longe..

Sinto falta irma, de te esclarecer sobre assuntos que nem eu estou esclarecido, de te dizer que vai valer a pena sem saber muitas vezes se valera' a pena o esforco (embora queira acreditar que vale e que quem trabalha sempre alcanca), ou de tocar contigo Nirvana na garagem, com paus de vassoura ate' o xerife aparecer a resmungar a dizer que anda a criar uns filhos malucos.

Sinto falta desse sorriso que quero que nao percas, dessa miuda que espero que nao se torne adulta demasiadamente cedo, porque as responsabilidades tambem nos tiram estas coisas de sorrirmos quando nos apetece e de falarmos com aquele toque de alegria, digno de criancas, nao de adultos frios e distantes, desconectados, desligados do que e' bom. Aquele baloico e jardim, aquele R19 e a cassete do Bon Jovi que se ia ouvindo mesmo nos momentos complicados, dos gelados e dos tiros aos pratos, no meio do mato, no dia que era o mais feliz do ano...Era fixe ver o patrao a jogar 'a bola e a cair no chao como no's, ou a dona de casa a mandar vir comigo para ir apanhar pratos enquanto os chumbos ainda no ar andavam.. Para mim, isso ainda nao desapareceu, esta bem mais presente que o presente, e significa uma coisa bem maior. A uniao.


Gostava de voltar atras contigo, fazermos isto tudo de novo, mudava algumas coisas, e tentava ter sido mais presente e querer ter sabido mais do que soube, ajudar mais do que ajudei e defender-te mais, porque realmente tu mereces. Nao e' so' lirismo e paisagem. Nao e' so' falar e falar, tu realmente tens andado, imenso, muito mais do que eu andei quando tinha a tua idade. Com isso trazes a responsabilidade, de poderes falhar muito pouco, de responderes a toda a hora e de mesmo nas duvidas nao poderes dizer que nao sabes...


Miuda, fica rija como sempre, aguenta la essa barra que tao bem fazes que quando voltar vamos ate' ao taco e pagas-me o cafe' e a mini e a tosta mista!


Dezanove nao e'? Tas a ficar velhota NES.


Sights and Sounds - Pillars


It's starting and the pillars rise

Some weaker in the midst of constant grind

Some will fall or some might hide

Them come back in my life

Follow the storm and see

Cast a thorn between you and I

StayI can't stay

Riddle this one out with August songs

Handing them over

So all the other sounds could seem minimal

Hell, if it's not this it's coming somehting else

One after another as long as we allow

None of us the same but we're going one way

Lock out the rest that wanna take us

Embrace the essence that will take us soon

We're on our own again and the sanctuary's attainable

Embrace the essence that will take us soon

I'll take all day

Heavy stomach




quarta-feira, 7 de abril de 2010

LOPSIDED





ROADHELL TO JAISALMER
quarenta e quatro graus, dois autocarros, doze horas. ida e volta em tres dias. visita de medico que poderia bem te-lo presente. Em cinco, tres foram a baixo o que deixa o saldo negativo, na conta tambem.
comprei la uma bela mascara azul, ia ser vermelha mas eram mais cem rupias. a azul tambem e' bonita e da' sorte. mas claro que azar nao daria se nao o gajo nao ma tinha vendido nem dito que a mascara dava sorte. evidentemente que da' sorte, nao fiquei mal da barriga nesse fim de semana, so no seguinte, nem tive um acidente nesse fim de semana, so no depois do a seguir a esse.
mas a sorte tambem e' um conceito bastante geral, e para mim, e' uma sorte so de si estar aqui.










terça-feira, 6 de abril de 2010

OUR REALM OUR HOME















Aqui comem-se tostas ao pequeno almoco, leite em pacote de plastico, sem tomate nem azeite mas com cafe' de cafeteira meta'lica oldschool, canelas style. Ha animais de todo lado, de varios pontos da Europa, gado que pasta no jardim, ratos e as baratas sao as nossas melhores amigas.

A agua funciona de vez em quando, e quando nao funciona liga-se o motor, espera-se um bocado, desliga-se outra vez e toma-se um belo banho de agua fria porque o esquentador para alem de desnecessario tambem raras vezes funciona. O ralo tambem nunca funcionou bem, entope sempre e o banho podia ser de imersao. As camas nao sao de casal, seriam mais de indiano, com setenta centimetros de largura e colchao de tres centimetros de espessura, mais a rede mosquiteira e a ventoinha do tecto que me parece mais o efeito psicologico de ver o ar a girar pelo quarto fora.

A televisao que tinhamos foi roubada, tambem so dava um canal e com chuva, coisa rara neste pais e que ainda so presenciei uma vez, tirando as poucas que vi no ecra do caixote que costumava estar na sala. So reparei que tinha ganho novo dono quando me lembrei que estava a tentar marcar golo com a bola de cricket no vazio que estava antes ocupado pela T-ve.

No jardim ha um baloico, lembra-me penafiel, mas este tem mais ferrugem ainda, e faz mais barulho, e nao tem grande piada porque tenho enjoado das ultimas vezes que me sento la' a olhar para a rua.

La' em cima no terraco, fui o primeiro a aventurar-me e agora ja somos oito a partilhar aquele espaco, concentrado na area de menor exposicao matinal, e a' noite cumprimenta-se o vizinho da frente que tambem dorme no telhado. O ze' do telhado ficaria orgulhoso de mim. A cama 'e o meu saco, que era verde e cinzento e agora nao digo que cor tem, nem sequer penso muito nela, nem sequer tento olhar para ela, e se calhar ja' nao me importo. A sujidade faz parte do dia-a-dia e tentar controla-la e' como dizer a um miudo que nao pode partir o seu vaso de casa favorito oferecido pela madrinha do irmao mais novo, e que quando estala tem um soar que vale mais que mil sonatas. Essa sujidade contrasta com a limpeza mental, de pensar pouco sobre estar preso.

Liberdade e' ter o telemovel desligado, nao ter televisao nem internet, nao ter horas no pulso nem no bolso nem no horario nem ninguem que nos diga que temos de estar a xis hora no local ipselon,e o engracado e' que estas completamente rodeado sem espaco nenhum para largar um gas ou um pequeno e educado arroto e mesmo assim estares feliz por nao teres de dar nenhuma e qualquer justificacao a' comunidade que te acompanha diariamente, desde o amanhecer ao por-do-sol.

Vou sentir falta deste Big Brother sem camaras e sem confessionario, partilhado com mais catorze, seis motas e varios bichos de estimacao.

domingo, 4 de abril de 2010

PALITANA-ALANG



Quatro e meia da manha, acordo depois de mal ter dormido um par de horas, para uma viagem de cinco horas ate' ALANG, com passagem por PALITANA.

Sabia que ia ver navios a serem desmontados no maior porto do mundo de reciclagem nautica mas nao sabia que iria visitar um dos maiores templos hindus da india, nem que para o fazer teria de escalar ate' ao topo da montanha, qual Moises, com 43 graus, sol a pique, 12:00, com um litro de agua quente e sem proteccao para a moleirinha. Tres mil degraus.

Pensei que fossem trezentos, e ao final desses trezentos, que ate os fiz a correr e a saltar, como quem nao quer a coisa, ultrapassei o topo da primeira montanha e desenganei-me.. Ai vi que o caminho era longo e pesaroso, que ia ser uma estafa para conseguir chegar ao "paraiso", e o autocarro partia em hora e meia. O pai ja vai...

Depois de mais de meia hora a contar degraus, a parar na sombra, a puxar pela vontade de ver o que pensava que era o templo, mesmo colocado ao meu lado direito, no cume da montanha, la' cheguei.

Cheguei e voltei a tirar o cavalinho da chuva, ou do sol neste caso, afinal havia outra. Ainda me faltavam mais setecentos degraus, o que depois de dois mil e quinhentos, com esta temperatura, sem agua e sem sombra, e' mesmo querer passar uma certidao de obito ou no minimo uma bela ensolacao. Pensei que tinha comprado o bilhete para ir ver os barcos e que, no minimo tinha de la chegar com cabeca para apreciar a sucatada toda, nao sou de ca' so' vim ver a bola... Arrependi-me de nao ter perguntado o roteiro, de me ter posto apronto Along for the ride, e uma t-shirt limpa teria feito imenso jeito. O cheiro a poney rodeava-me a mim, e aos outros, em cerca de metro e meio de diametro e que juntando os diametros todos, transformou o minusculo autocarro numa selvajaria.

Mas voltando ao templo. O certo e' que tinha meia hora para voltar a descer, nao tinha pernas nem mais vontade de chegar ate ao Paraiso, o preco parecia demasiado alto e nao fui fisica e mentalmente preparado para tal acto de coragem... se calhar hoje arrependo-me e ontem tinha feito mais um 2step para la chegar ao cimo...

O jelmer, meu colega de quarto e de aventuras, voltou de la de cima a correr, mas o gajo tambem ja foi ciclista pode bem com elas, vermelho que nem pimento, chilli style, arrumado a pensar que vinha atrasado para a camionete. Pelo relato, chegou ao cume e a vista era lindissima, pena estar completamente esgotado e quase a tombar que nem penedo pelos penedos abaixo.



A descida foi complicada.



O que parece facil normalmente e' mais dificil que o complicado e fazer o mesmo caminho outra vez sempre com o travao de mao e segunda engatada nao foi melhor que contar escadas para o paraiso.

Seguimos viagem para ALANG, prato principal a cheirar a mar mas sem gambas nem derivados, so gasolina, cheiro a queimado, favelas e esgotos a ce'u aberto, mais de duzentos barcos atracados a' costa negra, poluida, corrompida pela ambicao do homem.

ALANG e' dos principais focos de poluicao maritima, de materiais no catalogo BIOHAZARD e onde a cada dia que passa um trabalhador morre. Funciona como uma strip ao longo da costa onde vao atracando as embarcacoes, desde porta-avioes a cruzeiros que outrora foram de luxo, porta-contentores ou petroleiros, e ai num espaco de tres meses sao completamente desmantelados, nome tecnico, shipbreaking, nome politicamente correcto, ship recicling.

Proibidas eram as fotografias, so para se ver o grau de reciclagem e ecologia que por la anda, com os trabalhadores a morrerem com cancaros e eteceteras e a viverem numa favela paralela ao shipbreaking, como uma linha de duas faces.

Os barcos iam-se "amontoando" e formando fila ao longo da costa, uns a espera de vez aguardavam ao longe na linha do horizonte.
Era impressionante ver em corte os navios, ora desmantelados na sua totalidade ou entao parcialmente na lateral ou como o cliente assim o requeria ou o patrao desejava.

Depois de fazermos a tour dentro do autocarro com o seguranca a nao deixar usar a maquina fotografica, seguimos viagem para a extensa rua que liga Alang ao resto da india, rua que parece a feira de custoias, cheia de casinhas e casonas, tascos e supermercados de produtos maritimos, desde a chapa ate aos binocolos, canecas de todos os feitios, bandeiras, lanternas, redes ou botes salva-vidas. Tudo se re vendia, se reutilizava , se tornava novamente util a's maos dos mais habilidosos.

Mais uma vez, a India como lixeira inter continental, como porto de abrigo aos desabrigados, nos trabalhos sujos que mais nenhuma nacao quer ver na sua area maritima, na sua costa "limpa".

Alang e' um ponto negro no globo, tao negro que para la ir precisamos de licenca e passaporte, nao se pode parar la' , entrevistar ou fotografar.

Quem la trabalha resiste a tudo, aguenta toda a porcaria que se faz pelo mar adentro e nao sao alergicos a nada tirando a Greenpeace.

gostei de comprar um pedacinho de barro com texto portugues, para tremocos e azeitonas, para usar no Portugal quando voltar. E da bandeira Portuguesa com as quinas e as torres em condicoes, sem piramides como as bandeiras portuguesas vendidas nas lojas chinesas.

inicialmente escrito em inicios de abril. ficou no arquivo ate agora.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

MEANING

Ha uma musica fantastica de Offspring, meaning of life, do Ixnay, album que ouvi vezes sem conta, ate riscar o original, perde-lo algures por minha casa, coisa que e' habitual quando e's o mesmo desorganizado de sempre, desde que te lembras, e o pior de tudo, e' que te esqueces.

O simon veio ter comigo, queria comprar uma maquina fotografica. Em jaisalmer tinhamos visto uma Nikon FM2, a um preco porreiro. O holandes acagacou-se, nao confiou na dica e quis deixar para depois o que poderia ter mudado muita coisa. Mas um gajo nunca sabe, joga com a sorte sem saber que a cada acto os dados sao lancados.

Eram quatro da tarde, o tipo pede-me para irmos tratar da maquina, sabia de um sitio, ja la tinha estado, regateado, pesquizado sobre a menina Canon AL-1, eu disse-lhe que sim, seria feliz com ela, ate a bateria da relacao acabar, ou o obturador encravar, ou ate muitos dos outros problemas que uma coisa em segunda mao te pode trazer.

Pegamos um rickshaw, eu entrei primeiro, e este pormenor torna possivel eu estar aqui a bater um texto inteiro, eu, o texto vai surgindo nas partes que me lembro.
Estava calor, a conversa ia animada. O Si perguntou-me se ja tinha recebido as malhas novas da minha banda, aquelas das quais estou sempre a falar e a dizer que mal posso esperar para ouvir. A conversa mudou para projecto, trabalho, o calor continuava a apertar.
Quando o quotidiano de viajares num triciclo, com motoristas sem carta, a velocidades que na Europa seriam consideradas baixas, mas que numa casca de noz, numa lata, num chaveco de chapa, sem capacete e cinto de seguranca e num trafico sem regras, consegues abstrair-te de tudo isto e o teu mundo reduz-se aos poucos metros cubicos do interior do pequeno veiculo...

O motorista distrai-se a olhar para o lado, quando repoe os olhos na estrada ja' e' tarde.
Trava, comete o erro de girar o volante para a direita.

Vi tudo isto, pensei que nao fosse acontecer. Depois mudei de ideias, talvez fosse melhor agarrar-me a lona da cobertura, ou esticar a perna e nao o pernil, tentar ficar dentro do cubiculo.
Sim, nao foi em camara lenta, mas deu para reagir, deu para tentar mudar o destino de ficar entalado entre o alcatrao e a chapa.

Capotamos, a 40kmh, parece pouco, mas eu so queria parar de ouvir a chapa a raspar no alcatrao, queria conseguir agarrar-me melhor, ficar la' dentro, nao ir para fora daquela merda.
Parou, nao sei se depois de dez metros, se de vinte, se foram dois segundos ou se foram cinco minutos. Nao sei. Nao quero saber tambem.
Apalpei-me de cima a baixo, olhei para mim num segundo. Estava um so' , one piece, inteiro e sem arranhao, nem um galo na cabeca, zero a zero. Berrei
" SIMON ARE YOU FUCKING ALRIGHT?!"
"NO!MY FOOT IS STUCKED UNDER THE TUCTUC! I CAN'T MOVE!"
"JUST A SEC!"
fui la baixo, puxei. Senti que se houvesse um deus, que se houvesse alguem, que me ajudasse... podiam ser espinafres, podia ser uma pocao magica, ou podiam ser as ganas de sair daquela porra, de voltar a ver mais do que um banco amarelo chapa, voltar para a berma da estrada, nao ser novamente empurrado sem saber. Puxei e puxei e o simon tirou de la' o pe', ou que restava dele, com os dedos no sitio e sem nada partido. Milagres tambem acontecem.

Novo susto, os indianos que estavam de fora viraram o TUC conosco la dentro, pensei que nos batiam de novo, que era depois disto que me entalavam entre a chapa, a mim e ao holandes, e eu nao quero ter filhos com ele para tar a escassos cms do mesmo.

Saimos, olhei para ele e estava em choque, a tentar repensar a situacao. Nao podia ceder, nao podia fraquejar agora. Tinha de tar ali para o rapaz, de lhe dizer que podia ter sido pior e que nao era nada. Nao parece feio, mentia eu a mim mesmo, sabendo eu depois de muitas quedas no skate, que alcatrao a arrancar pele, deve ser como alicates a puxar unhas e que ter os dois pe's em carne viva, para alem do choque, e' uma dor do caralhao.

Ambulancia, betadine e alcool. Nao nao. Nao fica assim meu boiolas. Vais-nos levar ao Hospital mais proximo. Ha de haver um medico para ver o meu amigo, para os painkillers e antibioticos.
Seguimos entao viagem, de portas abertas, e com a sensacao que o enfermeiro estava imensamente contente por ter dois estrangeiros no seu tasco, em formato de conversa de caf'e. So faltava o fino e os tremocos, teria ficado ali a tarde toda no paleio... so pensava que se lhe desse uma cabecada o gajo aprendia a ser mais profissional.

O resto foi o costume, hospital, gaze e derivados, mais betadine e os antibioticos.

Cheguei a casa, repensei. Repensei de novo, voltei a girar o disco, a rever o filme, a ver o que podia ter mudado. Zero. Nada.

Um gajo vive o dia-a-dia, paga para ver, espera acordar no dia seguinte e alias, acho que poucos sao aqueles que nao o dao como certo. Andamos irritados porque o cao nao mija no penico, porque o clube da bola levou cinco contra o Arsenal, porque esta calor e eu gosto de frio, ou porque esta frio e eu quero calor, porque queria comer um prego no prato e so posso comer vegetais mal passados, ou porque a escala da habitacao social que propus tem de ser ajustada.
BALELAS! Tudo merdas que nao lembram ao menino jesus, tudo porras que nos ocupam a cabeca e nos fazem nao pensar, que e' mesmo uma alegria viver para contar, andar para aprender, saber para ensinar e respirar para poder chegar com tudo isto junto daqueles que amamos e dizermos " e' bom estar contigo, e' bom ter chegado aqui, 'e fantastico poder ver-te de novo".

porque sinto falta disto tudo e muito mais, porque realmente isto e' aquilo que tentamos que seja mas 'as vezes so isso nao chega, e porque de uma hora para a outra viramos estatistica ou noticia de jornal.


HAVE HEART - LION HEART

This so-call "shit" is what I live for, it's why I'm alive
I'll never smother this fire, forever burning inside
I'm at the point where I'm sucked in,
by the message I get this passion.
this fury is mine and it keeps me alive.
I can't fucking breath until I release what's inside.

An unloaded gun, that will never go off.
a rollercoaster ride, that can't wait to stop
so tell me who the fuck are you trying to fool?
tell me what the fuck have you put your heart into?

Fuck the tame animal restricted to the cage
with predictable actions, that define your "rage"
I'm the motherfucking lion roaring in your face
tearing down those limits that keep you placed

Say I care too much and I got it all wrong?
I'm in this for the message, it's more than just song
blood, sweat, intensity
every broken knuckle or busted knee
I'm doing my best, and I'm doing my part
don't criticize me man when theres no fire in your heart