quinta-feira, 12 de junho de 2014

A Cabana

A cortina move-se, irrequieta, contra as paredes azul bebé. A porta abre de vez em quando, forcando o trinco, com a ventania que assobia lá fora. Quando isso acontece, vê-se o mar e as palmeiras na vibração constante da tormenta. A monção aproxima-se, a agua está mais fria, o sol mais tímido e a ilha está a ficar deserta.

Chegamos a Bangkok. Para trás ficara a fronteira e o stress de manter o passaporte sempre em lugar palpável e no limite do alcance. Fui barrado no controle; tinha de ter morada na Tailândia. A Ana passou sem problema. O francês que estava comigo também foi retido. Antes que fosse motivo de azáfama, peguei na caneta e colocando o passaporte como suporte para o pequeno papel de arrival, escrevi Orchid Hostel Bangkok. Nestes casos, há sempre um hostel com nome de flor, ou de planta, ou floresta numa metrópole asiática. Bate sempre a cara com a careta. O outro frances, passar ate passou, mas quando chegamos ao outro lado, o estafeta recusou-se a transporta-lo porque o franciu também se havia recusado a colar um sticker na t shirt para ser identificado como ilegível para o resto da viagem. Acontece sempre em viagens com vários operadores e passagens de fronteira. O casal de amigos que seguia conosco desde Siem Reap e com os quais acabamos por travar amizade, não se meteram na conversa. Nós íamos dizer qualquer coisa, mas qualquer coisa nestes lugares pode significar a diferença entre vir embora ou ficar também apeado. E foi ai que nos explicaram que o Francês começou a guerra já no Cambodja, porque tinha pago para vir num confortável autobus e não numa minivan da década de oitenta. Devia ter uma costelinha e um gosto pelo déjà vu.
Em Bangkok ainda lambiamos as feridas das horas de sardinha em lata, sentados por cima da botija de gás- CNG-, sem posição possível para adormecer. Nem com um Valium nem com chá de frutos vermelhos.
Foi visita de medico, em mais uma mega cidade asiática, com mais fumo e esgoto, gente e gente e mercados e tucs. Visitamos um templo, comemos um pad thai, bebemos um mango shake e fizemos as compras da prache. Era hora de marchar para sul, para as ilhas. Apanhar sol, fazer praia e fazer uma semana de treinos sem caneleiras - rebentei hoje, ao nono treino consecutivo.
Apanhamos o mesmo bus que os nossos amigos franceses- ficamos a saber que eram de lá Rochelle, e lá falamos do Steve de robot orchestra e de lá sirene, boa memory lane-, e dois transfers depois, esperávamos pelo Ferry para Koh Tao. Vestinos a nossa cara mais nova, aquela dos bailes de finalistas, dos shots infinitos, da música techno mega mix, e fomos numa caravana para Loret del Mar, com o barco a abanar para xuxu, e a galera maluca a cantar e a beber fuckin crezy nightz. Estava morto, e comecei a ameaçar virar o barco no xerife que ia ditando a procissão. So percebeu quando lhe pedi um saco. Era tipo o dinheiro ou a vida, neste caso, à lá rei Herodes, ou te calas ou te fodes. Se não tinha saco levava com um mix shake de oreo batata frita e cola, a ementa que figura nos anais de qualquer viagem noturna. A ana também estava irritada. Pensava que vinha para uma ilha deserta, naufrago style, comigo a fazer de bola Wilson. Consegui ler-lhe nos olhos a vontade de afundar o barco, longe da costa, longe de terra. Era exclusiva a ilha, paraíso perdido a troco de tostões, e mais ninguém viria para cá. Claro que não. Nós até fomos os primeiros a lembrarmos-nos disto, mais ninguém sabia. Quais descobrimentos quais homeros.
Há sempre os artistas que promovem o convívio entre os demais, seja berrando um pouco mais alto, ou dando encontrões, ou até roubando garrafas de tequilha a outros borrachoes. Aqui não havia um nem sois nem três. E não eram poucos, bastantes. Era uma autentica academia de ninjas do barrio, cada qual com o seu secret move and quote. Uns mais british english, outros dos states, alguns mal falavam, varios mal abriam os olhos. Mas eu no papel de coveiro não fui atrás deles. Eram em numero suficiente para me encherem a maleta, e a cena de fiesta era o setting, nós é que estávamos a mais. O problema não és tu, sou eu.
Terra firme, orientamos um bungalow, com paredes de papel, chão em tabuas de madeira com folgas de centímetros, porta com aloquete mais resistente que a dobradiça e uma varanda que dava para duas pessoas. Alias, todo o palacete dava para duas pessoas com pouco peso. Ou apenas um Hermano José. Mais que isso dava tragédia. Não era preciso nem tsunami nem lobo mau para deitar a Cubata a baixo.
Seis euros por noite com vista de postal. So faltava o Jamiro e o carvan para a barbecua.
Decidimos ficar o resto da semana e deixar os ferrys e camionetes em standby. Já tinham sido mais que suficientes, era hora de descansar. E dar umas pedradas no saco, comer pizza e fazer chop chop.
Podia até pedir as baleias do Roberto Carlos, mas esta é do José.

José Cid - Cabana





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